Mesmo recente, na comparação com países europeus, a história automotiva do Brasil é muito rica.
Um dos carros nacionais que marcaram época, apesar de ser pouco conhecido do grande público, virou item de colecionador e hoje é o veículo brasileiro mais caro de que se tem notícia.
Além disso, seu desenho harmonioso e original teria rendido até um "clone" de uma fabricante inglesa. Estamos falando do Brasinca 4200 GT, sensação do Salão do Automóvel de 1964, cujas derradeiras unidades foram rebatizadas como Uirapuru - um pássaro conhecido pelo belo canto.
UOL Carros conversou com Tiago Songa, especialista e pesquisador de carros antigos, para saber um pouco mais sobre o esportivo projetado e produzido em São Caetano do Sul (SP).
Segundo ele, foram fabricadas apenas 76 carrocerias entre 1964 e 1966 - das quais 73 foram montadas de fato. Um exemplar, de acordo com Songa, foi vendido no ano passado por R$ 350 mil.
"Até onde eu sei, esse carro de R$ 350 mil é o automóvel brasileiro mais caro vendido até hoje. Ele fará parte do futuro museu de Campos do Jordão [SP]", afirma.
Ele mesmo tem um 4200 GT 1965, de chassi 1010 (o décimo montado), que comprou por R$ 2.000 em 2004 para restaurar e que ainda não está finalizado.
O esportivo paulista foi desenhado pelo engenheiro espanhol Rigoberto Soler, que na década de 60 trabalhava na Brasinca - fabricante de carrocerias instalada nos arredores da fábrica da General Motors, em São Caetano.
Motor de caminhão
Motor de seis cilindros em linha com cerca de 160 cv era o mesmo utilizado na Chevrolet C10 Imagem: Arquivo pessoal.
Além do desenho cheio de personalidade, com destaque para o capô longo e baixo e para a traseira curta, exibindo vidro curvo que avança pelas laterais, o 4200 GT traz originalmente motor 4.3 de seis cilindros em linha da Chevrolet.
Com três carburadores, rende 157 cv de potência e 35 kgfm de torque, gerenciados pela transmissão manual de três velocidades, com tração traseira.
É o mesmo motor que equipava modelos da Chevrolet como a picape C10, a perua Veraneio e até caminhões da marca.
Medindo 4,35 m de comprimento e 2,59 m de distância entre-eixos, tem carroceria de aço, santantônio integrado, dois lugares e suspensão dianteira independente - na traseira, o eixo é rígido.
"Uirapuru veio 'de susto' para a história do automóvel no Brasil. Nossa indústria tinha apenas anos de vida em 1964. Aí, do nada, aparece um carro baixo, comprido, com motor entre eixos, três carburadores e capaz de atingir 200 km/h. Foi o primeiro brasileiro a atingir essa marca. Na época, perguntavam: 'é brasileiro?', conta Songa.
Preço de Mustang
Brasinca 4200 GT foi uma das sensações do Salão do Automóvel de São Paulo em 1964 Imagem: Reprodução.
Segundo o especialista, o preço alto e justamente a concorrência de esportivos estrangeiros acabaram decretando a vida curta do 4200 GT Uirapuru - fabricado de 1964, incluindo os protótipos, até 1966.
As vendas se estenderam até o ano seguinte. Hoje, de acordo com Tiago Songa, restam só 41 unidades conhecidas e documentadas.
"O problema é que, no mesmo ano em que o 4200 GT estreou, a Ford lançou nos Estados Unidos um dos seus maiores sucessos, o Mustang. O Uirapuru tinha o mesmo preço, cerca de US$ 3,5 mil na época, e não deu para competir nos anos seguintes".
Por conta das baixas vendas, por volta do início de 1966 a Brasinca decidiu parar com a fabricação, menos de dois anos após o lançamento. Foi quando Rigoberto Soler e o piloto Walter Hahn Jr criaram a empresa STV deram sequência ao projeto - rebatizado como Uirapuru, que, segundo Songa, era o nome idealizado desde o princípio.
"Havia 12 ou 13 carros prontos e cerca de 20 carrocerias para montar. A fabricação prosseguiu durante 1966, mas no ano seguinte foi interrompida definitivamente".
As vendas ainda continuaram em 1967, último ano de mercado do modelo.
O estudioso cita algumas curiosidades envolvendo o projeto. "Dizem que o Uirapuru foi projetado em túnel de vento. Na verdade, usaram uma miniatura de madeira com cerca de um metro de comprimento, pois o carro não cabia no túnel", relata.
Ele também conta que "no máximo" cinco carros foram equipados com transmissão manual de quatro marchas do Corvette e comando de válvulas mais "bravo" da Iskanderian.
Além da carroceria cupê, foram produzidos dois protótipos conversíveis e uma perua, convertida em viatura do DER (Departamento de Estradas de Rodagem) de São Paulo.
Carro cobiçado
Costa diz ter recebido oferta de R$ 350 mil por seu Brasinca; exemplar já foi vendido por esse preço
Imagem: Arquivo pessoal.
Mais de cinco décadas após o lançamento, o 4200 GT Uirapuru virou item de coleção bastante cobiçado.
Além do exemplar vendido por R$ 350 mil, outras unidades têm conseguido preços altos, mesmo precisando de restauração.
"Comprei o meu, ano 1965, número sete de fabricação, por R$ 80 mil em 2013. Um dos primeiros. Ele foi restaurado em 2013 e está completamente original. Tem placa preta de colecionador", conta o engenheiro civil Reinaldo da Costa, de 58 anos, entusiasta de esportivos brasileiros e morador de Santo André (SP).
Ele, que também é dono de outros modelos icônicos como Puma, VW SP 2, Interlagos, Maverick GT e GT Malzoni, diz ter recebido proposta de R$ 320 mil no seu carro, que acabou recusando.
Costa tinha outra unidade, vendida originalmente em 1967, último ano de mercado e que já trazia o nome Uirapuru, que começou a restaurar, mas acabou vendendo recentemente.
O 'clone' inglês
Interceptor foi lançado dois anos depois do 4200 GT, exibindo design muito parecido com o do modelo brasileiro
Imagem: Reprodução
Outra mística em torno do 4200 GT Uirapuru é que um carro britânico mais conhecido e com produção muito maior exibe desenho semelhante e foi lançado em 1966 - portanto, dois anos depois.
O Jensen Interceptor, que já foi tema de programas como "Top Gear" (BBC) e do canal do YouTube "Jay Leno's Garage", também combina o capô comprido e a traseira curta com vidro curvado do Uirapuru - a ponto de ser considerado plágio por alguns antigomobilistas.
As linhas do Interceptor, inclusive, ficaram a cargo do famoso estúdio italiano Carrozeria Touring, de Milão. Quanto à mecânica, o esportivo da Jensen vinha equipado com um motor mais forte - 6.3 V8 da Chrysler, com cerca de 330 cv.
Tiago Songa, porém, não acredita que se tratou de uma cópia.
"Designers brasileiros da época, como o Anísio Campos, diziam que tudo não passou de uma coincidência. A Jensen era uma fábrica inglesa que já existia há algum tempo e a Brasinca era desconhecida até no Brasil", pontua.
Songa também lembra que o Studebaker Avanti, de 1962, já trazia elementos de design semelhantes, embora a dianteira fosse bastante diferente.
Fato é que, comparando 4200 GT e Interceptor lado a lado, os dois são muito parecidos.
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