Companheiro inseparável da grande maioria de carreteiros que trafega nas estradas brasileiras, o rádio PX - transceptor de rádio que opera na faixa dos 11 metros - vai aos poucos perdendo lugar para o telefone celular, que se torna cada vez mais eficiente nas comunicações com a empresa, busca de cargas ou nas ligações para a família. Mesmo necessitando licença especial da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) para funcionamento e operação, é difícil encontrar no trecho alguém que esteja legalmente habilitado, embora essa licença possa ser tirada até mesmo pela Internet. Além disso, em 32 anos de liberação da faixa dos 11 metros no Brasil, ao que parece os motoristas de caminhão desvirtuaram a meta principal das comunicações nas estradas, de prestar informações ou auxílio em caso de emergências, transformando-se em local de conversas sem sentido e com o uso excessivo de palavrões, impróprios para carreteiros que viajam com a família. Apesar disso tudo, o rádio PX resiste.
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Para Erivelto Veríssimo, o uso do rádio PX deve ser consciente para que o aparelho
não se torne tão arriscado quanto é falar ao celular e dirigir ao mesmo tempo.
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O carreteiro Erivelto Verissimo da Silva, 34 anos, 15 de profissão, natural de Volta Redonda/RJ, não gosta de rádio PX no caminhão, pois considera perigoso e ilegal. Acredita que o uso deveria ser mais consciente pois se torna tão arriscado quanto dirigir falando ao celular. Por isso, optou por não ter o aparelho na cabine. Dentro ou fora do país utiliza o telefone celular nas viagens sem problemas. Algumas vezes a comunicação é feita pelo teclado do rastreador, mas não é sempre que funciona, diz ele. Lembra que já utilizou PX no passado, porém, decepcionado, desistiu. Agora só se comunica pelo celular, utilizando chips diferentes, de acordo com o país por onde viaja.
Em outro emprego, quando viajava com a esposa, o carreteiro Daniel da Silva Cardoso
não podia ligar o rádio PX por causa do palavreado vulgar e agressivo.
O baixo nível das conversas entre os motoristas de caminhão nos contatos feitos pelorádio PX fez com que o estradeiro Daniel da Silva Cardoso, 30 anos e 10 de direção - natural de Lages/SC - também preferisse o uso do telefone celular nas comunicações com a empresa ou com a família quando está no trecho. Ele comenta que onde trabalha não é permitido viajar com a família. Porém, num emprego anterior, quando viajava com a mulher e filhos, não podia ligar o rádio por causa da linguagem utilizada pelos colegas de estrada, com um palavreado vulgar e agressivo.
Fagner Crestani usa o PX para obter informações sobre as estradas ou cargas,
mas em suas comunicações com a família e empresa prefere telefone ou MSN.
Cardoso ficou também decepcionado com o rádio, embora tenha esperança de comprar um aparelho moderno, potente e que transmita em canais diferentes dos utilizados pela maioria dos carreteiros. Lembra, com saudade, das "rodadas" com amigos em que falavam de assuntos sérios, do trabalho, condições das estradas, acidentes na rodovia, advertências sobre trechos ruins e até de fiscalização policial. Lembra-se de uma tentativa de assalto a um motorista, nas proximidades de Sergipe, que falava ao rádio quando pressentiu o ataque e avisou o que estava acontecendo. Os demais motoristas que estavam na mesma frequência avisaram a polícia a tempo de prenderem os criminosos e evitar a consumação do assalto. "Tudo graças ao rádio PX", salienta. Segundo ele, a má utilização, os altos custos para a compra de bons aparelhos e a burocracia para a obtenção da licença emperram um uso maior e melhor dos rádios PX no Brasil, muito embora a grande maioria dos motoristas de caminhão não dispense esse tipo de equipamento.
Decepcionado com o nível das conversas dos colegas pelo PX, e acostumado
a viajar com a esposa, Luiz Tavares decidiu tirar o aparelho da cabine.
Utilizando um rádio pequeno e de pouca potência, Fagner Crestani da Silva, 29 anos de idade e 10 de volante - natural de Manoel Viana/RS - não tem licença para operar o equipamento, também nunca foi incomodado nas fiscalizações policiais. Dono de uma carreta com cavalo-mecânico ano 90, ele viaja na rota entre São Paulo/BR, e Argentina e Chile e se comunica normalmente com a família e com a empresa por telefone público. Também utiliza MSN, quando o assunto é mais rápido ou só para dizer que chegou bem ao destino. Ele sabe que precisaria de uma licença para operar o rádio PX, "mas, como é muito fraquinho, vai levando". Costuma falar com os colegas de estrada até a distância de uns quatro ou cinco quilômetros, sempre para informações sobre o trecho ou fazer algum comentário sobre a viagem, a carga ou apenas para "bom dia, boa viagem, vai com Deus".
Admirador do rádio PX, Marcos José Marengo reconhece que a maioria
só fala bobagem, mas não consegue viajar com o aparelho desligado.
Decepcionado com o baixo nível das conversas dos colegas de estrada pelo rádio PX", Luiz Tavares, 53 anos, 30 de profissão, natural de Pelotas/RS, decidiu "sacar fora o equipamento da boleia" e parar de se irritar ao ouvir tantas asneiras ditas por homens adultos e profissionais conscientes, conforme diz. Ainda mais que costuma viajar com a mulher, Neli Vieira Cézar, 53 anos. Ela, aposentada e com os filhos criados, gosta de acompanhar o marido no trajeto de 750 quilômetros que ele costuma fazer entre Rio Grande/RS e Itaqui/RS transportando arroz ou farelo de arroz. Concorda que o rádio pode ser muito útil para o estradeiro para conversas sérias, informações sobre cargas, condições da pista ou de eventuais acidentes no trecho. "O que tem se escutado ultimamente é muita bobagem, palavrões e até ofensas pessoais", comenta. Quando não estão juntos, Luiz e Neli, se comunicam diariamente pelo celular, que também é utilizado para os contatos com a empresa ou para acertos de cargas ou de viagens. Enfim, o rádio PX não faz falta e preferem conversar entre eles ou ouvirem música, afirmam.
Casada com o carreteiro Ricardo Batista, que roda pelo Mercosul, Mônica Brites conta que
o PX é muito útil no Peru, onde tem muitas estradas estreitas e cheias de curvas.
O carreteiro Marcos José Marengo, o Marquinhos como é conhecido no trecho, tem 31 anos de idade e 10 de profissão. Natural de Erexim/RS ele transporta arroz e autopeças entre Uruguaiana/RS e São Paulo/SP. Confessa ser um grande admirador do rádio PX e não consegue imaginar uma viagem sem o aparelho estar ligado para ouvir a conversa dos colegas de estrada, embora admita que a maioria só fala bobagem. "Tem muita gente falando besteira", diz. A mulher dele, Graziela, que o acompanha em algumas viagens com o filho Bernardo, de um ano de idade, reforça que às vezes é preciso diminuir o volume ou desligar o rádio por causa das bobagens que os motoristas falam no ar. "Coisa que não dá pra repetir, muitos palavrões, muitas bobagens", reforça. Mas, apesar de tudo, Marquinhos continua gostando do rádio e da companhia dos amigos. Para ele, sempre é muito útil e mesmo com todas as bobagens os motoristas sempre se ajudam em caso de necessidade.
Motorista de uma prancha de 22 metros na qual transporta chassi de caminhão para Lima/Peru, Ricardo Batista de Souza, 41 anos e 18 de profissão, tem um chip de celular de cada um dos países por onde trafega, para que as ligações para casa fiquem mais baratas. Ele liga todas as noites para falar com a esposa e sua "princesinha" Vitória Aparecida, sete anos, e os filhos Luís Ricardo, 20, e Eduardo, 14. Falam por cerca de 10 minutos e fica sabendo de todas as novidades da casa, da escola dos filhos e, enfim, da família. Também, é claro, fala sobre a viagem.
Sua esposa, Mônica Brites de Souza, 40 anos, natural de Uruguaiana/RS, com quem está casado há 22 anos, e com quem tem três filhos, conhece bem a vida na estrada e as dificuldades que o motorista passa nas viagens longas. Ela, que acompanhou na boleia durante muito tempo nas viagens, conta que na Argentina e Peru o rádio PX só é utilizado para orientação dos motoristas da empresa, que costumam viajar em comboios de cinco ou seis caminhões.
Mônica acrescenta que o aparelho é muito útil principalmente no Peru, onde as estradas são estreitas e com muitas curvas. Ela mostra um vídeo gravado numa das viagens feitas com o marido, no qual é possível ouvir o diálogo dos motoristas pelo rádio falando sobre as condições da estrada e de caminhões grandes que trafegam em sentido contrário e que podem se constituir em perigo nas curvas. "Aí sim o rádio é indispensável", salienta.
Porém, não deixa de citar que no Brasil é um desastre ficar com o rádio PX ligado, principalmente na região metropolitana de Curitiba/PR. Ela conta que além do baixo nível das conversas entre os motoristas, muitas prostitutas da região utilizam o aparelho na busca de clientes. "Daí a baixaria corre solta", salienta. Nunca pensou em ter rádio instalado em casa, pois além do custo do equipamento e da licença, também se corre o risco de nem sempre conseguir contato com pessoa que está viajando por conta das limitações da frequência.
Texto e Fotos Evilazio Oliveira